quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Marcelo Tas fala de Lula, jornalismo, humor e cobra mais irreverência na televisão

Marcelo Tas, 50 anos, é seguidor do mestre Chacrinha. Não quer explicar nada e pretende confundir a todos. Descarta compromissos com partidos e confessa que já votou num leque tão variado de políticos que fica impossível encontrar em suas opções uma coerência ideológica. Só não votou em Paulo Maluf, porque aí é um tanto demais. Apresentador do programa CQC, que mistura humor e jornalismo, percebeu que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é uma fonte fértil de material e por isso escreveu Nunca antes na história deste país. O livro traz compilação de frases do presidente, comentadas por Tas sem concessões. E confunde ainda mais o leitor sobre a postura política do autor.

Você é um sujeito muito crítico quanto a essa questão das celebridades e ao mesmo tempo está num programa que, ao desconstruir e agredir esse meio, acaba contribuindo para fazer com que ele apareça. Como você se situa nisso?

O CQC pode ser um veículo muito poderoso para algumas figuras que a gente critica, mas é parte do jogo. É um programa arriscado e a gente gosta disso. Trabalhamos numa fronteira do jornalismo com o humor. Muitas vezes resvala numa região arriscada e por isso as pessoas gostam do programa. Não podemos cair na tentação do desrespeito, mesmo ironizando uma figura. A gente não gosta do Sarney, por exemplo, que é uma das figuras mais nocivas à República brasileira, mas tenho que tratar o cara dentro desse limite para não usar as mesmas ferramentas que ele usa, como o desrespeito à sociedade, a censura, a truculência. Agora, a gente sabe que figuras como ele podem se beneficiar do CQC sendo simpáticas ou caras de pau. O Maluf, por exemplo, fala muito com o CQC. Ele sabe que é importante usar o programa como um veículo. A gente dá o espaço. É importante porque senão estaríamos sendo os manipuladores.

O humor crítico no Brasil mudou nos últimos 10 anos?

Poderia ter mudado mais. O público quer mais ousadia que a gente oferece. Por isso o CQC, na minha visão, causou tanto impacto. Dele para a última ousadia da televisão tem pelo menos cinco anos, que foi o Pânico. Nem é a mesma praia, mas foi uma grande ousadia. E do Pânico para a ousadia anterior, que foi o Casseta e planeta, tem mais cinco ou oito anos. Acho lamentável porque esses programas mostram que o público gosta da ousadia, da irreverência.

Tem alguma coisa que você não goste no CQC?

Muitas. Acho que ainda é um programa muito sexista, uma coisa que é inevitável porque é muita testosterona, muito macho e, às vezes, passa do tolerável na questão do machismo ou da grossura. Agora, com a Mônica (Iozzi), a gente está procurando trabalhar uma outra região e, mesmo assim, a gente não pode cair no outro lado da moeda. É um equilíbrio muito delicado, mas gostamos de acelerar, passar bem perto do ponto onde o carro pode capotar, porque esse é o nosso esporte.

Quanto há de Ernesto Varela, uma de suas primeiras experiências com jornalismo e humor, no CQC?

O DNA é parecido, é o mesmo. No CQC cada um dos meninos desenvolveu o seu próprio repertório. O Varela era um guerrilheiro, ele e sua equipe, dentro de uma trincheira, quase um ET no jornalismo brasileiro. O CQC é um canhão em rede nacional, com estrutura que jamais tive. Sempre sonhei com o CQC.

Você costuma dizer que hoje, quem não sabe ouvir está perdido. O que significa saber ouvir no Brasil contemporâneo?

Quem não ouve está fora do jogo, fora da brincadeira. As pessoas, as empresas, os jornais, os pais, os professores, quem não ouvir hoje dançou por causa da velocidade da rede. Qualquer coisa que a gente faça hoje é em rede, inclusive as coisas antigas. Mesmo os jornais de papel são feitos em rede. Mesmo que não tenha um twitter ou não seja interessado nisso, você já está nessa era, todos nós estamos. Estou falando de empresas, escolas, namorados, tios, sobrinhos. Eu gosto muito disso. Acho que quem trabalha com comunicação vive uma era muito especial e procuro olhar justamente quem está fazendo coisas legais.

Como encara a superexposição das pessoas na internet? Seu twitter é um dos mais seguidos do Brasil. Essa superexposição não multiplica o vazio?

Se tem esvaziamento ou aprofundamento, depende da gente. O que tem hoje nessas ferramentas é uma velocidade muito alta e uma capacidade de atingir pessoas que você nunca atingiu. No meu caso tem uma coisa extra, que é a capacidade de ouvir pessoas. A televisão não permite isso, é um veículo surdo onde as pessoas só falam e onde fui forjado. Passei duas décadas de trabalho só falando e ouvindo muito pouco as pessoas. O twitter é um lugar onde ouço as pessoas. Passo o dia ouvindo muito e em silêncio a maior parte do tempo.

Nunca antes na história deste país aparece em diversas listas de mais vendidos. A que você atribui este sucesso?

A um interesse e um desconhecimento, por incrível que pareça, sobre a história do Lula. Estou chocado com a pesquisa que fiz para o livro. Descobri muita coisa que não sabia do presidente, e olha que corro atrás dele desde 1983. Mesmo com toda essa mídia em cima dele até hoje existem lacunas. O Lula tem uma personalidade muito de horário comercial. Ele está sempre trabalhando e nunca com a postura desarmada. Fala pouco com a imprensa. E tem outra questão. Tem gente que acha o Lula um péssimo presidente e tem gente que acha que ele é um gênio. Como não acho nenhuma das duas coisas, me interessou fazer um livro que não tomasse partido e, como quase tudo que faço, acabou criando uma dúvida até sobre qual é o meu partido. Chamo isso de bipolaridade que a gente tem em relação ao Lula. Se você faz uma crítica é porque você é contra; se você elogia, é a favor. Acho que há uma falta de maturidade no Brasil em relação a uma estabilidade democrática, a gente ainda age com espírito meio de Guerra Fria. Nesse livro procuro contribuir um pouco para isso causando mais confusão. As pessoas nunca sabem se sou lulista, se sou tucano. Aliás, sou acusado das duas coisas.

Você ora é acusado de ser governista, ora de ser oposição. Qual seu time, afinal?

Não tenho compromisso com nenhum partido. Já votei em todos os partidos. Isso é uma coisa de que me orgulho muito. Minha tarefa neste mundo é de espírito de porco, estou cada vez mais convencido disso. Na última eleição cometi uma ousadia. Nunca tinha votado no Democratas e votei no Afif Domingos. Para mim, não tem mais diferença entre ter Afif ou Suplicy. Não há diferença entre PT e Democratas enquanto ética ou crença em uma democracia. Os dois acreditam na democracia e têm defeitos graves. Não é um compromisso partidário ou ideológico que guia minha vida, porque acredito que a mudança não vem daí. Por isso até admiro o presidente. Lula tem nos seus maiores pecados, às vezes, suas virtudes. Um cara que abraça o Jader Barbalho tem que ter estômago de avestruz. É um cara muito contraditório. Mas ele tem ao mesmo tempo esse estômago que faz com que consiga tocar o país com relativo sucesso na área econômica e até na área política.

Gostaria de mandar um recado para Lula ou Dilma?

Será que eles vão ouvir? Meu recado seria esse: ouçam mais as perguntas. Acredito que os políticos não precisam ter medo de se expor. E acredito que o presidente é o cara. Ele não precisava se cercar tanto, poderia se expor mais, dar mais a cara para bater porque é capaz de sair de qualquer situação. O Brasil pode ser um país respeitoso e divertido ao mesmo tempo. E a gente pode tratar a política com contundência, mas também com humor. Temos que aprender um pouco a sair de uma seriedade falsa que geralmente está muito estampada no Senado, o que menos aprendeu essa lição da democracia. O Senado é blindado, as pessoas não são permeáveis, são pessoas muito sérias, cheias de problemas na Justiça, mas seriíssimas, impenetráveis.

Fonte:Portal CQC

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