Com um microfone na mão e nenhum pingo de vergonha, jovens atores lotam teatros e bares com um estilo antigo de humor que caiu no gosto do público, a Stand Up Comedy
Não há cenário, figurino ou nenhum outro artifício cênico. É só o ator e seu talento para fazer rir com as palavras. Assim funciona a stand up comedy (comédia em pé, na tradução literal), modalidade que surgiu nos anos 50 nos Estados Unidos e foi adotada por nomes como Woody Allen, Bill Cosby, Steve Martin e, o mais conhecido deles hoje, Jerry Seinfeld. O estilo também não é novidade por aqui. Na década de 60, foi esse humor rápido que deu visibilidade a iniciantes como Jô Soares, Chico Anysio e Costinha.
O fato é que, nova ou não, a stand up comedy é a atual febre nos palcos de bares e teatros brasileiros. Além de apresentar espetáculos diários em capitais como Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba, o gênero tem atraído cada vez mais jovens comediantes. É, como definem alguns, um novo – e próspero – mercado de trabalho. “Eu acho que a stand up veio para ficar. Talvez nem todos os comediantes continuem, mas o público não vai se cansar”, diz Marcela Leal, uma das fundadoras do Clube da Comédia, o primeiro grupo de stand up de destaque em São Paulo, na estrada (ou nos palcos da cidade) desde 2004.
Diferentemente do que parece para quem está na plateia, esse tipo de performance não é um show de improvisação. Existe um roteiro, escrito com base numa técnica bem específica, chamada set up/punchline. Set up é a introdução da piada. E punchline é seu final, e que provoca a risada do público. Os livros que ensinam a prática do gênero determinam até de quanto em quanto tempo a plateia deve rir – a cada 20 segundos. A excelência numa stand up é a piada one liner, ou seja, de uma linha só. “Nem todos usam a fórmula de maneira tão precisa, mas eu gosto”, diz Marcela, que se considera uma purista no estilo. Rafinha Bastos, parceiro de Marcela no Clube da Comédia, também segue a técnica à risca. “Faço questão de fazer rir num curto intervalo de tempo. Por isso, às vezes passo meses trabalhando num texto”, afirma.
Já Fernando Caruso, do Comédia em Pé, o primeiro grupo de stand up do Rio, criado em 2005, prefere não seguir tão rigidamente a fórmula. “Na verdade eu nem escrevo o texto, só anoto os tópicos. Acho que fica mais espontâneo”, diz. “Aliás, acredito que essa seja a principal diferença entre os comediantes de stand up de São Paulo e do Rio. Em São Paulo o pessoal estuda, segue a técnica, faz uma piada mais limpa. No Rio, não conheço ninguém que tenha lido um livro didático. Coisa de carioca”, brinca. Basicamente, os comediantes do Rio parecem estar contando casos, batendo um papo de bar.
A falta de um roteiro, no entanto, não significa que haja improvisação. “É bem difícil de as pessoas entenderem, mas stand up não é improvisação. Pode até haver algum momento em que surge algo da plateia, mas é um complemento ou outro, não a base”, explica Caruso, que integra também o elenco de ZÉ: Zenas Emprovisadas, esse, sim, um espetáculo puramente de improvisação. Mas, apesar de perceptível para a plateia, o estilo carioca não é necessariamente mais engraçado que o paulista. Ou vice-versa. Piada boa faz rir de qualquer jeito. E em qualquer lugar.
OS DEZ MANDAMENTOS DA STAND UP
1. O comediante só pode se apresentar sozinho. Jamais em dupla ou grupo.
2. Só é permitido se apresentar com texto próprio. Não pode usar piadas que já caíram em uso popular ou foram recebidas pela internet. Muito menos usar aquele truque muquirana de contar a anedota como se o fato tivesse acontecido de verdade, tipo “eu tenho um tio português...”.
3. Não pode fazer personagem. Também não vale transformar a si mesmo em personagem ou usar figurinos engraçados. As roupas devem ser aquelas que se usaria no dia-a-dia.
4. Evitar contar casos. O material deve ser preferencialmente de tópicos de observação, com base no cotidiano.
5. Deixar bem clara a persona de cada um. Não tentar fingir ser quem não é. Ser você mesmo, sempre. Se o comediante é mal-humorado, deve ser assim no palco, por exemplo. E, se em determinado dia estiver de saco cheio, deve assumir; se estiver eufórico, idem; que assuma seu estado diante da plateia. Aliás, é importante tentar trazer a própria rotina para o mais perto possível de si. Se o comediante for judeu, em algum momento fale de judeus, se for gay, fale sobre gays, se for nerd, fale sobre ser nerd etc.
6. Não é permitido o uso de trilha sonora ou algum tipo de sonoplastia.
7. Não é permitido fazer nenhuma marcação de luz. Use apenas a iluminação básica do palco.
8. Não é permitido o uso de cenografia ou adereço.
9. Os comediantes podem e devem testar “material” novo diante da plateia. Vale desde improvisar tendo apenas o tópico em mente até ler as piadas, caso elas não estejam decoradas ainda.
10. Não forçar a barra. Se você tem apenas 5 minutos de material, faça uma apresentação de 5 minutos e saia. Tudo bem. Não enrole. As apresentações, aliás, serão sempre de 5, 10 ou 15 minutos.
Fonte: Clube Comédia Em Pé
Eles que fazem rir
Da esq. para a direita:Rafinha Bastos, Fernando Caruso, Marcela Leal e Marco Luque
“STAND UP É O FUTEBOL DA COMÉDIA. BASTA
UMA BOLA E UM CHINELO PARA FAZER DE GOL.”
Gaúcho, 32 anos, formado em jornalismo, Rafinha viu pela primeira vez um show de stand up quando morou nos EUA, em 1999. De volta ao Brasil, conheceu Marcelo Mansfield e Marcela Leal e criou com eles o Clube da Comédia. “Achei que a stand up era a minha cara, porque é tudo criação do próprio ator. Tem muito de jornalismo, de observação”, diz ele, que trabalhou na RBS, a Globo do Rio Grande do Sul, até 2002, quando resolveu mudar para São Paulo e investir na carreira de ator. Por meio dessa segunda profissão chegou à bancada do CQC, o humorístico da Band comandado por Marcelo Tas. Mas fez muito comercial até o grupo começar a dar retorno. “Não deu certo de cara, as pessoas estranhavam. Chegamos a cancelar espetáculos por falta de público”, lembra. Hoje, porém, acredita que o estilo é compreendido. “A stand up é o futebol da comédia. Assim como para uma pelada você precisa de dois chinelos e uma bola, para a stand up precisa só de um microfone e de um comediante.” Rafinha diz que sua meta é fazer a plateia rir a cada 20 segundos e, para isso, testa suas piadas com a mulher. “Acordo de madrugada para contar uma ideia. E ainda quero que ela ria.” Atualmente, ele está em cartaz no Teatro Frei Caneca (SP) com o espetáculo A Arte do Insulto
Fernando Caruso
“FICO LIGADO O TEMPO TODO. ÀS VEZES, SEM
PERCEBER, JÁ FIZ A PIADA NA MINHA CABEÇA.”
Filho do cartunista Chico Caruso, o carioca Fernando Caruso, de 27 anos, é do tipo que faz piada de si mesmo, da mãe e de quem mais vier na cabeça. E é assim, na espontaneidade, que ele faz seu humor stand up. Ao contrário da maioria, não segue técnicas, apenas anota os tópicos sobre os quais quer falar, para se lembrar da piada. “Fico ligado o tempo todo, às vezes, sem nem perceber, já deu o clique e fiz a piada na minha cabeça”, diz. “Só que às vezes não anoto e esqueço. E essas sempre tenho a sensação de que eram as melhores.” Ator desde os 12 anos, fez a escola de teatro O Tablado e tem no currículo inúmeras peças infantis, algumas alternativas e participações no humorístico Zorra Total, da TV Globo. Um dos idealizadores do Comédia em Pé, ao lado de Cláudio Torres Gonzaga e Fábio Porchat, entre outros, não participou da primeira apresentação do grupo, em 2005, pois já estava em cartaz com seu solo Papo Furado, que apresenta até hoje (estava em cartaz em São Paulo até a última semana). No Rio, está em cartaz com o grupo Comédia em Pé em dois teatros: Miguel Falabella e Teatro das Artes.
Marcela Leal
Aos 36 anos, a paulistana Marcela Leal sempre ganhou a vida fazendo os outros rirem – apesar de não se achar engraçada. “Raramente rio das minhas piadas”, diz. Atriz e roteirista, teve o primeiro contato com a stand up durante um curso de roteiro com o diretor Cláudio Torres, em 2004. Na época, já apresentava o esquete de sua Caipira Intelectual no Terça Insana, humorístico de personagens, mas descobriu ali outro estilo de humor. “Pirei, comecei a importar livros, shows e DVDs de feras como George Carlin, Chris Rock, Ellen DeGeneres”, lembra. Passou então a escrever e praticar os próprios textos, seguindo fielmente a fórmula set up/punchline. “Um dia, conheci o Rafinha num teste de comercial, descobrimos o gosto em comum pelo estilo e resolvemos montar um grupo, o Clube da Comédia, junto com Marcelo Mansfield, Oscar Filho, Márcio Ribeiro e Henrique Yamamoto – os únicos que conhecíamos que curtiam o estilo. Foi o primeiro stand up purista do Brasil. E foi um sucesso.” Hoje, ela está excursionando pelo Brasil com seu show solo, Tirando do Sério, previsto para chegar a São Paulo em maio.
Marco Luque
“NUNCA FUI GALÃ, ENTÃO ACHO QUE USAVA A PIADA PARA ME DESTACAR.”
O mais novo dos entrevistados no quesito stand up, o ator e humorista Marco Luque estreou, há duas semanas, em Ribeirão Preto, seu primeiro solo. Formado em artes plásticas, ex-jogador de futebol (de um time espanhol de segunda divisão), ex-monitor de acampamento e ex-garçom, começou a atual carreira há três anos, com participações especiais no Terça Insana. “Sempre fui piadista. Era pequeno, tímido, não tinha a menor pinta de galã. Tinha que me destacar de alguma forma e acabou sendo com o humor. Mas uma coisa é estar atrás de um personagem, outra é subir no palco como você mesmo. Dá medo”, diz o paulistano de 35 anos. Mas depois de fazer piada em rede nacional, no CQC, e de quebrar o gelo apresentando-se em bares e shows de amigos, ele levou seu solo para São Paulo, onde fica até dia 26 no Teatro Eva Wilma.
Fonte: Revista Quem
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